O cenário das apostas esportivas no Brasil passou por uma transformação significativa nos últimos anos, evoluindo de uma área cinzenta para um mercado legalizado e, mais recentemente, regulamentado. Por muito tempo, a legislação brasileira sobre jogos de azar era restritiva, datando de decretos-lei de 1941 e 1946 que proibiam a prática de jogos de azar no país. No entanto, a ascensão da internet e a popularização das plataformas de apostas online, muitas delas operando a partir do exterior, criaram um vácuo legal que permitiu aos brasileiros acessarem esses serviços sem que a atividade fosse explicitamente proibida para o apostador individual.
O primeiro passo concreto em direção à legalização ocorreu em 2018, com a sanção da Lei nº 13.756/2018 [1]. Esta lei, que inicialmente tratava da destinação de recursos de loterias, incluiu em seu texto a legalização das apostas de quota fixa relacionadas a eventos esportivos. As apostas de quota fixa são aquelas em que o apostador sabe, no momento da aposta, qual será o valor do prêmio em caso de acerto, com base nas odds predefinidas. Embora a lei de 2018 tenha legalizado a atividade, ela não estabeleceu de imediato um arcabouço regulatório detalhado, deixando a cargo do Ministério da Fazenda a tarefa de definir as regras para a exploração e fiscalização desse mercado. Essa lacuna gerou um período de transição em que as operações continuaram a ocorrer sem uma supervisão governamental completa, o que levantou preocupações sobre segurança, integridade e proteção ao consumidor.
A Lei 14.790/2023: O Marco Regulatório
O verdadeiro divisor de águas para o mercado de apostas esportivas no Brasil veio com a sanção da Lei nº 14.790/2023 [2], em dezembro de 2023. Esta legislação representa o marco regulatório tão aguardado, estabelecendo as diretrizes e regras para a exploração comercial das apostas de quota fixa em todo o território nacional. A nova lei visa trazer mais segurança jurídica, proteger os apostadores, combater a manipulação de resultados e garantir a arrecadação de impostos para o Estado.
Entre os pontos mais importantes da Lei 14.790/2023, destacam-se:
- Autorização e Licenciamento: A lei exige que as empresas interessadas em operar no mercado brasileiro obtenham uma autorização prévia do Ministério da Fazenda. Essa autorização está condicionada ao cumprimento de uma série de requisitos técnicos, financeiros e de integridade, garantindo que apenas operadores idôneos e com capacidade de cumprir as regras atuem no país. O processo de licenciamento é rigoroso e busca coibir a atuação de plataformas ilegais.
- Fiscalização e Supervisão: A lei cria um ambiente de fiscalização e supervisão contínua das operações. O Ministério da Fazenda, por meio de um órgão específico (a Secretaria de Prêmios e Apostas – SPA), será responsável por monitorar as atividades das casas de apostas, garantindo a conformidade com as normas estabelecidas, a proteção dos dados dos apostadores e a integridade dos eventos esportivos.
- Integridade Esportiva: Um dos pilares da nova regulamentação é a proteção da integridade esportiva. A lei prevê mecanismos para prevenir e combater a manipulação de resultados, o que é crucial para a credibilidade do setor. As casas de apostas deverão implementar sistemas de monitoramento e reportar atividades suspeitas às autoridades competentes.
- Jogo Responsável: A lei também aborda a questão do jogo responsável, exigindo que as operadoras implementem medidas para proteger os apostadores contra o vício em jogos. Isso inclui limites de depósito e a promoção de campanhas de conscientização sobre os riscos associados às apostas.
- Publicidade e Marketing: A publicidade e o marketing das casas de apostas também serão regulamentados, com o objetivo de garantir que as mensagens sejam claras, transparentes e não induzam ao erro ou ao jogo excessivo. Serão estabelecidas regras para evitar a promoção de apostas para menores de idade e para proteger grupos vulneráveis.
A Lei 14.790/2023 é um passo fundamental para a consolidação de um mercado de apostas esportivas seguro e transparente no Brasil. Ela estabelece as bases para um ambiente regulado que busca equilibrar o desenvolvimento econômico do setor com a proteção dos interesses dos apostadores e a integridade do esporte.
O Papel da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA)
Com a promulgação da Lei nº 14.790/2023, foi criada a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), vinculada ao Ministério da Fazenda. Este órgão é a peça central na estrutura regulatória das apostas de quota fixa no Brasil, sendo responsável por uma série de atribuições cruciais para o funcionamento e a fiscalização do mercado. A SPA atua como a principal autoridade reguladora, garantindo que as operações das casas de apostas estejam em conformidade com a legislação vigente e que os interesses dos apostadores sejam protegidos.

As principais funções da Secretaria de Prêmios e Apostas incluem:
- Autorização e Concessão: A SPA é o órgão responsável por analisar os pedidos de autorização das empresas que desejam operar no mercado de apostas esportivas no Brasil. Ela avalia a idoneidade dos operadores, a solidez financeira e a capacidade técnica de cada empresa para garantir que apenas entidades qualificadas recebam as licenças necessárias.
- Regulamentação e Normatização: Cabe à SPA elaborar e publicar as normas complementares à Lei 14.790/2023, detalhando os procedimentos, requisitos e padrões que as casas de apostas devem seguir. Isso inclui regras sobre publicidade, meios de pagamento, sistemas de segurança, proteção de dados e combate à lavagem de dinheiro.
- Monitoramento e Supervisão: A Secretaria realiza o monitoramento contínuo das operações das casas de apostas autorizadas, verificando a conformidade com as normas e a integridade dos eventos esportivos. Sistemas de auditoria e relatórios periódicos são utilizados para garantir a transparência e a legalidade das atividades.
- Fiscalização e Sanção: Em caso de descumprimento das regras, a SPA tem o poder de fiscalizar e aplicar sanções às empresas, que podem variar desde advertências e multas até a suspensão ou cassação da autorização de operação. Essa capacidade de sanção é fundamental para garantir a disciplina no mercado.
- Proteção ao Apostador: A SPA atua na proteção dos direitos dos apostadores, garantindo que as plataformas ofereçam um ambiente de jogo justo e seguro. Isso envolve a implementação de políticas de jogo responsável, canais de atendimento ao consumidor e mecanismos para resolução de disputas.
- Combate à Ilegalidade: O órgão também desempenha um papel ativo no combate às operações ilegais de apostas, trabalhando em conjunto com outras autoridades para identificar e coibir plataformas que atuam sem a devida autorização no Brasil.
Em suma, a criação da SPA demonstra o compromisso do governo brasileiro em estabelecer um mercado de apostas esportivas regulado, transparente e seguro, onde a proteção do apostador e a integridade do esporte são prioridades. A atuação desse órgão é essencial para a credibilidade e o desenvolvimento sustentável do setor no país.
O Que Muda para o Apostador?
Com a regulamentação do mercado de apostas esportivas no Brasil, o apostador brasileiro se depara com um cenário de maior segurança e transparência. As mudanças implementadas pela Lei nº 14.790/2023 e a atuação da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA) impactam diretamente a experiência do usuário, oferecendo um ambiente de jogo mais protegido e confiável. Entender essas mudanças é fundamental para que o apostador possa usufruir dos benefícios da nova legislação.
As principais alterações para o apostador incluem:
- Maior Segurança e Confiabilidade: A partir de agora, apenas as casas de apostas que obtiverem a devida autorização do Ministério da Fazenda poderão operar legalmente no Brasil. Isso significa que o apostador terá a garantia de que está utilizando plataformas fiscalizadas, que cumprem com as normas de segurança, integridade e proteção ao consumidor. A atuação em plataformas não regulamentadas passa a ser desaconselhada, pois não oferecem as mesmas garantias e podem expor o apostador a riscos como o não-pagamento de prêmios ou a manipulação de resultados.
- Proteção ao Consumidor: A regulamentação estabelece que as casas de apostas devem oferecer canais de atendimento eficazes para os apostadores, além de mecanismos para resolução de disputas. Em caso de problemas, o apostador terá a quem recorrer, seja diretamente à plataforma ou à SPA, que atuará como mediadora e fiscalizadora.
- Jogo Responsável: A nova lei reforça a importância do jogo responsável. As plataformas autorizadas serão obrigadas a oferecer ferramentas para que os apostadores possam controlar seus hábitos de jogo, como limites de depósito, limites de tempo de sessão e a possibilidade de excluir a conta. Além disso, haverá campanhas de conscientização sobre os riscos do vício em jogos, visando proteger os indivíduos mais vulneráveis.
- Transparência nas Operações: As casas de apostas regulamentadas deverão operar com maior transparência em relação às odds, aos termos e condições das apostas e aos métodos de pagamento e saque. Isso garante que o apostador tenha acesso a informações claras e completas antes de realizar suas apostas.
- Combate à Manipulação de Resultados: A proteção da integridade esportiva é um dos pilares da regulamentação. Isso beneficia diretamente o apostador, pois reduz o risco de manipulação de resultados em eventos esportivos, garantindo um ambiente de jogo mais justo e competitivo. As plataformas terão que monitorar ativamente as apostas e reportar qualquer atividade suspeita às autoridades.
- Meios de Pagamento: A regulamentação também pode influenciar os meios de pagamento disponíveis. Por exemplo, a partir de 1º de janeiro de 2025, o uso de cartão de crédito para apostas pode ser totalmente proibido em plataformas regulamentadas, visando a segurança financeira dos apostadores e a prevenção do endividamento excessivo [3]. É importante que o apostador esteja atento a essas mudanças e utilize os métodos de pagamento autorizados.



Em resumo, o apostador brasileiro ganha um ambiente de apostas mais seguro, transparente e regulamentado. A escolha por plataformas autorizadas e o conhecimento das novas regras são essenciais para uma experiência positiva e responsável no mundo das apostas esportivas.
Tributação sobre os Ganhos
Um aspecto de grande interesse para os apostadores é a tributação sobre os ganhos obtidos com as apostas esportivas. Com a regulamentação, a questão fiscal se torna mais clara e obrigatória. A Lei nº 14.790/2023 estabelece as regras para a tributação dos prêmios, visando garantir que o Estado arrecade sua parte e que os apostadores cumpram suas obrigações fiscais.
De acordo com a legislação, os ganhos líquidos obtidos com as apostas de quota fixa estão sujeitos à incidência de Imposto de Renda (IR). O imposto será retido na fonte pela própria casa de apostas no momento do pagamento do prêmio. A alíquota estabelecida é de 15% sobre o valor líquido do prêmio, ou seja, sobre o valor que excede o valor apostado [4]. É importante ressaltar que essa tributação incide sobre o lucro de cada aposta, e não sobre o valor total do prêmio. Além disso, há uma faixa de isenção para ganhos de menor valor, similar à isenção aplicada a outros rendimentos.
Exemplo de Tributação:
Imagine que um apostador faça uma aposta de R$ 100 e ganhe R$ 500. O lucro líquido é de R$ 400 (R$ 500 – R$ 100). Sobre esses R$ 400, incidirá a alíquota de 15% de Imposto de Renda. O valor do imposto retido seria de R$ 60 (15% de R$ 400). Assim, o apostador receberia R$ 440 (R$ 500 – R$ 60).
É fundamental que os apostadores estejam cientes dessa obrigação fiscal e acompanhem seus ganhos e perdas para fins de declaração de Imposto de Renda, se necessário.
As casas de apostas regulamentadas serão responsáveis por fornecer os comprovantes de rendimentos e retenção de imposto, facilitando o cumprimento das obrigações fiscais por parte dos apostadores. A transparência nesse processo é um dos benefícios da regulamentação, evitando problemas futuros com o fisco.
Perguntas Frequentes sobre a Legalidade das Apostas Esportivas
Para consolidar as informações e responder às dúvidas mais comuns sobre a legalidade das apostas esportivas no Brasil, preparamos uma seção de perguntas frequentes. As respostas são concisas e visam facilitar a compreensão do tema.
1. As apostas esportivas são legais no Brasil?
Sim, as apostas esportivas de quota fixa são legais no Brasil desde 2018, com a Lei nº 13.756/2018. A regulamentação completa foi estabelecida pela Lei nº 14.790/2023.
2. O que é a Lei nº 14.790/2023?
É a lei que regulamenta as apostas esportivas de quota fixa no Brasil, estabelecendo regras para autorização de empresas, fiscalização, tributação, jogo responsável e integridade esportiva.
3. O que é a Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA)?
É o órgão do Ministério da Fazenda responsável por autorizar, regulamentar, monitorar, fiscalizar e sancionar as empresas de apostas esportivas no Brasil, garantindo a conformidade com a lei e a proteção dos apostadores.
4. O que muda para o apostador com a regulamentação?
O apostador ganha maior segurança e confiabilidade ao utilizar plataformas autorizadas e fiscalizadas. Há também maior proteção ao consumidor, foco no jogo responsável e transparência nas operações.
5. Preciso pagar imposto sobre meus ganhos em apostas esportivas?
Sim, os ganhos líquidos (lucro) em apostas esportivas estão sujeitos à tributação de 15% de Imposto de Renda, retido na fonte pela casa de apostas. Há uma faixa de isenção para ganhos de menor valor.
6. Posso usar cartão de crédito para apostar?
A partir de 1º de janeiro de 2025, o uso de cartão de crédito para apostas pode ser totalmente proibido em plataformas regulamentadas, visando a segurança financeira dos apostadores e a prevenção do endividamento excessivo.
7. Como posso praticar o jogo responsável?
Defina limites de depósito e tempo, faça pausas regulares, nunca aposte dinheiro que você não pode perder, e utilize as ferramentas de autocontrole oferecidas pelas plataformas.
Referências
[1] Brasil. Lei nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018. Dispõe sobre o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), altera a Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018, e a Lei nº 13.155, de 28 de agosto de 2015; e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13756.htm
[2] Brasil. Lei nº 14.790, de 29 de dezembro de 2023. Dispõe sobre a modalidade lotérica denominada apostas de quota fixa; altera as Leis nºs 5.768, de 20 de dezembro de 1971, e 13.756, de 12 de dezembro de 2018; e revoga dispositivos do Decreto-Lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2023/lei/l14790.htm
[3] CNN Brasil. Mercado regulado de bets começa nesta quarta (1º); veja o que muda. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/mercado-regulado-de-bets-comeca-nesta-quarta-1o-veja-o-que-muda/
[4] Câmara dos Deputados. Entra em vigor lei que tributa apostas on-line e define regras para a exploração do serviço. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/1030406-ENTRA-EM-VIGOR-LEI-QUE-TRIBUTA-APOSTAS-ON-LINE-E-DEFINE-REGRAS-PARA-A-EXPLORACAO-DO-SERVICO